Trecho do livro A HISTÓRIA DE JOANA D'ARC DITADA POR ELA MESMA, psicografia de Ermance Dufaux (médium de Kardec)
"Essa
negociação logo começou a se arrastar; por um lado, o conde de Ligny
não conseguia se decidir a me entregar aos meus inimigos e aos
carniceiros da Inquisição; por outro lado, Carlos VII tentava obter,
junto ao duque de Borgonha, uma autorização para pagar meu resgate.
Esses atrasos aumentavam ainda mais o ódio de meus inimigos, que o
descarregavam em todos os que se interessavam por mim, mesmo nos que
guardavam um silêncio prudente. Uma bretã, chamada Pierrone, foi
queimada por ter afirmado que eu era boa e que tudo o que eu fazia era
bem feito, aos olhos de Deus. Para que fosse punida com alguma aparência
de justiça, alegou-se que ela havia blasfemado, dizendo que Deus lhe
aparecia freqüentemente, vestido com uma longa vestimenta branca,
coberta por uma túnica vermelha. Mesmo que ela estivesse cometendo o
delito de mentir, bastaria que fosse internada em um hospício.O conde de
Ligny começou a vacilar; só foi contido pelos apelos de sua mulher, que
se jogou a seus pés, por diversas vezes, para lhe suplicar que não me
enviasse para a morte. Apesar dos cuidados que minhas nobres hospedeiras
tomavam para me esconder as notícias, eu não deixava de tomar
conhecimento delas. O que me causava mais sofrimento era estar
impossibilitada de socorrer Compiègne. O desejo de levantar o cerco à
cidade fora um dos maiores motivos de minha tentativa de evasão do
castelo de Beaulieu. Meus inimigos se aproveitavam de minhas
preocupações. Os guardas me davam, todos os dias, falsas informações,
dando conta de derrotas dos franceses, ou de novas desgraças que teriam
se abatido sobre eles. Vendo como isso me afligia, um deles chegou ao
ponto de me dizer que todos os habitantes de Compiègne, a partir da
idade de sete anos, seriam massacrados. Essa notícia me provocou uma dor
tão grande que quase enlouqueci; muitas vezes eu gritava, em minha
perturbação e agitação: Como Deus deixaria perecer as boas pessoas de
Compiègne, tão fiéis a seu mestre?
A notícia
de que eu fora vendida aos ingleses acabou por me fazer perder a cabeça.
Decidi que iria tentar de tudo para não cair nas mãos dos inimigos, o
que me deixaria completamente sem esperanças de socorrer os habitantes
de Compiègne. Minhas santas protetoras tentaram, em vão, acalmar meu
nervosismo. Só me restava uma oportunidade de escapar, mas era
arriscada: teria que me atirar do alto da torre onde estava encerrada,
que não tinha menos de 30 metros de altura. Não me ocorreu, entretanto, o
pensamento de que eu pudesse me matar, ou mesmo me ferir. A execução
desse projeto era bastante difícil para mim, vigiada como era. São
Miguel, Santa Margarida e Santa Catarina, principalmente, fizeram de
tudo para que eu mudasse de idéia. Santa Catarina me dizia, quase todos
os dias, que não seria preciso que eu saltasse; que Deus viria me
ajudar, assim como aos habitantes de Compiègne. Eu lhe respondi que, já
que Deus iria socorrê-los, eu queria estar lá.
-
Joana - respondeu ela -, é preciso que tu suportes com paciência o que
acontecerá; tu não serás libertada antes que vejas o rei-menino da
Inglaterra.
- Pois é - respondi eu. - Mas eu não quero vê-lo, nem cair nas mãos dos ingleses.
Quando
chegou o momento propício, encomendei-me a Deus e a Nossa Senhora;
fechei os olhos e tomei impulso. Primeiro, senti que percorria o espaço
com rapidez; depois, tive a impressão de que minha queda se tornava mais
lenta, como se braços estivessem me sustentando. Entretanto, quando
toquei o solo, minha cabeça bateu com força contra uma pedra; a dor que
senti me fez desmaiar. Os guardas acorreram; vendo-me imóvel, pensaram
que estava morta. Logo recobrei os sentidos e lhes perguntei,
completamente atônita, por que eu estava lá. Eles me disseram que eu
tinha me jogado da torre. Perdera completamente a memória do que
ocorrera.
Enquanto me desesperava por estar
impossibilitada de correr em socorro dos habitantes de Compiègne,
escutei a voz de Santa Catarina, que me dizia:
- Joana, tem coragem! Tu ficarás boa e o povo de Compiègne será socorrido.
Mas
essa promessa não foi o suficiente para me tranqüilizar sobre o destino
dos moradores daquela fiel cidade; fiquei tão abalada pela minha
impotência em ajudá-los que passei três dias me recusando a ingerir
qualquer tipo de alimento.Minha desobediência às determinações dos
santos me causava muito desgosto. Santa Catarina, vendo que eu lamentava
amargamente esse erro, disse-me que me confessasse e pedisse perdão a
Deus. Obedeci. Ela me garantiu que Deus tinha me atendido e que, até a
festa de São Martinho, do inverno, Ele socorreria os habitantes de
Compiègne.
Minhas boas amigas, a senhora de
Beaurevoir e a senhorita de Luxembourg, não me abandonaram; cercaram-me
de cuidados constantes e não demorei a me restabelecer completamente.
Uma nova provação me aguardava: teria que deixar essas amigas tão
queridas, que Deus me concedera durante meu infortúnio. O momento do
adeus foi muito doloroso; parecia a nós três que aquela seria a última
vez em que nos veríamos na terra; um vago pressentimento me fazia temer
infelicidades mais terríveis; mas a religião me deu apoio. Deixei-as
levando no coração a esperança de revê-las em uma vida melhor.
Fui
levada a Arras, lugar onde os oficiais nomeados pelos conselheiros do
rei-menino deveriam me buscar. Logo me conduziram ao castelo do Crotoy,
na Picardia. Lá fui tratada com muito mais rigor do que em Beaurevoir;
mas também tive o consolo de uma amizade: um padre de Deus, homem cheio
de mérito e virtudes, estava preso na mesma prisão. Era Nicolas
Quenville, chanceler da igreja de Amiens, doutor em direito canônico e
direito civil. Quase todos os dias, ele celebrava a santa missa em uma
sala do calabouço que tinha essa finalidade. Como era muito devota, eu
assistia sempre a essa missa e recebia quase todos os dias os
sacramentos da eucaristia. Os santos me apareciam sempre, especialmente
São Miguel. Ele fizera para mim diversas previsões a respeito da França;
eu repetira a Carlos VII as que lhe diziam respeito, em particular.
Todas se cumpriram. Os santos também me haviam feito grandes revelações
sobre o duque Charles d'Orléans, então prisioneiro na Inglaterra;
disseram-me, entre outras coisas, que seu filho único, que nasceu muitos
anos após minha morte, subiria ao trono depois do neto de Carlos VII, e
que sua memória seria venerada entre os franceses. Outras revelações
importantes me foram feitas naquela época; mas repeti-las seria uma
divagação inútil e tediosa.
Enquanto definhava
resignadamente em uma triste prisão, as promessas de meus celestes
protetores se realizavam: os franceses obtiveram diversas vitórias e
Compiègne fora libertada. Gourmay-sur-Aronde, Pont-Sainte-Maxence,
Longueuil e muitas outras cidades haviam permanecido sob domínio
francês. Meus inimigos me ocultavam cuidadosamente essas notícias; mas
os santos as contavam para mim e eu sentia mais alegria do que se
tivessem anunciado minha libertação. Poton de Xaintrailles e seus bravos
companheiros terminavam minha obra com dignidade, graças à sua bravura e
à proteção dos Céus. Mas os ingleses me viram como a causadora de suas
derrotas e sua raiva contra mim aumentou. Em altos brados, até os
soldados mais rasos exigiam minha morte. Embora fosse sua prisioneira,
eles me temiam tanto que se recusavam a participar de qualquer incursão,
pensando que, enquanto eu vivesse, só poderiam obter derrotas.
Os
ingleses subalternos se comportavam como tiranos em relação aos
franceses, que suportavam o jugo com impaciência. Tiravam as mulheres de
seus maridos e as filhas, de seus pais; subtraíam de infelizes pais de
família, muitas vezes, os frutos de seu trabalho, para dissipá-los em
orgias. Nada se podia comparar à horrenda miséria dos franceses. Muitos
procuravam no suicídio um remédio para os males, que eram mais terríveis
que a morte. Mas, em sua grande maioria, tornavam-se escravos dóceis e
covardes aduladores de seus cruéis perseguidores. A Universidade de
Paris, que tantas vezes dera exemplos de sabedoria, era então composta
inteiramente por esse tipo de gente. Essa instituição escreveu duas
cartas no dia 2 de novembro; uma delas, dirigida a Pierre Cauchon, bispo
de Beauvais, lamentava a lentidão deste, dizendo-lhe que, se ele
tivesse agido com a presteza necessária, meu processo já teria começado;
e que, longe disso, eu ainda nem estava em suas mãos. A carta terminava
lhe fazendo um convite para me julgar em Paris. A outra missiva era
destinada ao menino-rei, ou seja, aos seus conselheiros. Tinha por
finalidade convencê-los a me entregar ao bispo de Beauvais e à
Inquisição. O duque de Bedford e o cônsul inglês esperavam que essa
medida jogasse sobre a nação francesa a desonra pública de uma morte
que, afinal, seria útil aos interesses ingleses.
Novos
reveses vieram agravar minha situação, aumentando o terror
supersticioso de meus inimigos. Decidiram então me transferir para
Rouen, onde estavam o rei-menino e seus conselheiros. Durante a viagem
de Crotoy até a capital normanda, fizemos algumas paradas. Na última
delas, enquanto me preparava para montar no cavalo, um inglês que estava
perto de mim, achando que eu não montava com rapidez suficiente, deu-me
um golpe de lança na parte do corpo que entra em contato com a sela.
Embora o ferimento não fosse profundo, não deixou de me provocar dores
insuportáveis.
Fui encarcerada na grande torre
do castelo de Rouen. Haviam forjado, para mim, uma espécie de gaiola de
ferro, dentro da qual me puseram. Fiquei em um espaço bastante
estreito; puseram-me uma grossa corrente no pescoço, outra na cintura e
outras nos pés e nas mãos. Teria sucumbido a esse terrível infortúnio se
Deus e minhas santas protetoras não tivessem me trazido consolo. O anjo
Gabriel, o mesmo que anunciou à Virgem Maria sua divina missão, veio me
visitar diversas vezes. Nada pode descrever a tocante solicitude e o
incrível conforto que me deram. Morrendo de fome, vestida pela metade,
cercada de imundícies e machucada pelos ferros, eu tirava da religião a
coragem para perdoar meus carrascos.
A duquesa
de Bedford, irmã do duque de Borgonha, logo soube como eu estava sendo
tratada; tocada pela piedade, tanto se aplicou em meu favor junto ao
duque, seu marido, que fui transferida para um aposento bastante amplo,
iluminado por uma janela que se abria para um campo. Minha situação foi
um pouco amenizada. Durante o dia, eu era acorrentada pelos pés; mas as
correntes eram bastante longas para me permitir andar um pouco na cela.
Durante a noite, eu era presa pelos pés por um par de correntes presas
firmemente em uma grande peça de madeira. Outra corrente era posta ao
redor de minha cintura; de tal forma que eu não podia me mover. Cinco
ingleses, escolhidos entre as camadas mais baixas da população, foram
encarregados de me vigiar. Três deles dormiam de noite em minha cela,
enquanto os dois restantes vigiavam a porta. Diariamente,
atormentavam-me com as injúrias mais sórdidas; divertiam-se me acordando
durante a noite, dizendo-me que eu iria morrer e que iriam me conduzir à
fogueira. Apesar disso, eu não conseguia acreditar que os ingleses
quisessem me matar, pois não cometera nenhum crime que pudesse me valer a
pena capital. Achava que me devolveriam em troca de dinheiro; e que, se
eu ainda não estava livre, era porque Carlos VII não terminara as
negociações pelo meu resgate.
Eu era
extremamente casta, mas essa virtude foi para mim uma fonte de novas
provações. Meus guardas, sabendo que detestava os maus costumes,
divertiam-se repetindo canções obscenas e trocando palavras indecentes.
Não satisfeitos com as palavras, tentaram por diversas vezes me
violentar. Isso acontecia tanto por vontade deles mesmos quanto por
obediência ao bispo, que lhes prometera uma grande recompensa se
conseguissem tirar minha virgindade. Caso tivessem conseguido, Cauchon
poderia facilmente obter minha condenação como bruxa. A salvação do
gênero humano saíra de uma virgem. Acreditava-se quase universalmente,
no mundo cristão, que Satã nutria pela mulher imaculada uma aversão
insuperável e respeitosa, o que tornava essa qualidade incompatível com a
magia e a bruxaria. Certa vez, os guardas foram tão longe que, se o
conde de Warwick, atraído por meus gritos, não tivesse vindo em meu
socorro, eu estaria perdida. Graças a este senhor, os guardas foram
trocados por outros, que me respeitaram mais. Os perigos desse tipo, que
eu correra desde que saíra do castelo de Beaurevoir, fizeram-me sentir
um profundo reconhecimento por minhas santas protetoras. Com meus trajes
de homem, ficava menos expostas às indignidades. Se tivesse cedido à
insistência das senhoras de Beaurevoir, ao sair da casa delas, teria
perdido a segurança que agora me davam essas roupas.
Algumas
pessoas vinham me observar, embora isso fosse um favor dificilmente
concedido; o que era uma felicidade para mim, pois as perguntas de uns,
as zombarias de outros e a curiosidade de todos, juntamente com uma
enorme indiferença, eram-me extremamente penosas. Nas grandes desgraças,
o isolamento é uma graça que todos os desafortunados sabem apreciar.
Pelo menos podemos chorar à vontade, sem medo de olhares indiscretos e
indiferentes.
Meu processo custou muito
dinheiro aos ingleses; além da enorme soma que gastaram para me obter,
pagaram todas as custas; fizeram também pagamentos consideráveis a todos
os que nele tomaram parte.
O bispo não podia
exercer seu poder na diocese de Rouen sem o consentimento do capítulo
investido da autoridade arquiepiscopal, já que a sede de Rouen ainda não
fora ocupada. Então solicitou a autorização aos religiosos, que obteve
sem dificuldade. Os documentos que lhe concediam território e jurisdição
para instruir meu processo em toda a região da diocese foram redigidos
prontamente.
Os documentos promulgados pelo
menino-rei surgiram logo depois. Em seu nome, os conselheiros
autorizavam que eu fosse levada a julgamento. Mas enquanto concediam ao
bispo de Beauvais o direito de instruir o processo, juntamente com a
Inquisição, davam a entender que só me entregavam à justiça eclesiástica
com certa repugnância. Os conselheiros se reservavam o direito de
contestação, em nome do jovem Henrique, caso eu não fosse condenada à
morte. Com isso, não restava para mim nenhuma oportunidade de salvação.
Cauchon
tomou todas as precauções para seguir escrupulosamente os procedimentos
utilizados pela Inquisição, de modo que o julgamento que iria presidir
usufruísse da mesma validade infalível. Para isso, julgava indispensável
a presença do inquisidor; portanto, envidou todos os esforços para
convencê-lo a tomar parte no processo. Mas se ele desejava ardentemente
que o irmão Jacques Graverand estivesse entre os juízes, este não
desejava de forma nenhuma figurar no caso. Presentes, promessas, até
ameaças de morte, nada foi poupado para vencer seus escrúpulos; por bem
ou por mal, ele teve que se envolver em meu processo. Para a diocese de
Rouen, ele indicou Jean Le Maistre, um dominicano, a quem não agradava
muito a missão que lhe fora confiada. Ele levantou milhares de
obstáculos e conseguiu participar apenas como testemunha e douto
consultor. Mais tarde, entretanto, teve que aceitar o papel de juiz.
O
bispo de Beauvais realizou uma conferência com oito doutores diplomados
e mestres em ciências humanas, para combinar as primeiras medidas a
serem tomadas. Jean Le Maistre não participou; no entanto, figurou como
juiz no processo verbal dessa sessão. Nela foram levantados todos os
detalhes necessários sobre minha pessoa, sobre minha captura e sobre
meus pretensos crimes. Foram lidas todas as formalidades que diziam
respeito ao meu processo, tais como os documentos que o autorizavam e as
permissões territoriais concedidas ao bispo de Beauvais. Após a
exposição de motivos da conferência, o bispo instruiu os colegas sobre
as informações que já existiam sobre mim e, de comum acordo, decidiram
que coletariam novas informações, mais amplas e precisas. Procedeu-se,
então, à eleição dos oficiais do tribunal e ao estabelecimento de todas
as preliminares do processo.
Quase todos os
doutores sugeriram que eu deveria ser transferida, conforme o costume,
para uma prisão eclesiástica; mas o bispo fez pé firme e declarou que
não seria ele quem iria me tirar do castelo de Rouen. Essa resposta
provocou muitos murmúrios. Mas Cauchon tomou tanto conhecimento do
descontentamento dos doutores consultados quanto de minhas reclamações.
Numa
segunda sessão, realizada em sua casa, o bispo leu o processo verbal da
assembléia anterior e, em seguida, distribuiu aos conselheiros e aos
juízes assistentes as informações obtidas a meu respeito, tanto em
Domrémy quanto em Vaucouleurs, assim como nos lugares mais freqüentados
por mim.
Tinham lhe informado que eu era boa
filha, casta, modesta, paciente, moderada, prudente, muito meiga,
trabalhadora, temente a Deus, e que gostava de cuidar de doentes; que
era bem-educada, de acordo com meu nível social, e dotada de boas
maneiras; que eu tinha uma conversa tranqüila e honesta; que nunca
praguejava, que obedecia aos meus pais e que procurava a companhia das
mulheres e moças mais virtuosas; que quando terminava os trabalhos
domésticos, que me ocupavam desde o nascimento até a época em que deixei
a região, em vez de perambular pelas ruas ou ir dançar com as outras
jovens, eu ia me ajoelhar na igreja para rezar, com reverência e fervor;
que eu era tão tímida que a menor palavra me perturbava; e tão caridosa
que, freqüentemente, repartia meu pão com os pobres; enfim, tão
hospitaleira que meu pai, muitas vezes, teve que usar de sua autoridade
para me impedir de ceder meu leito a pobres desabrigados; que assistia
regularmente às missas e recebia os sacramentos com a disposição de uma
boa cristã; minhas ocupações, diziam, eram as de todas as crianças do
vilarejo: o trabalho de colheita, juntamente com os outros moradores, e
os cuidados com a casa, divididos com minha mãe e minha irmã. Meus
divertimentos eram tão inocentes quanto minhas ocupações. De vez em
quando, fazia peregrinações e acendia velas diante das imagens de Nossa
Senhora e dos santos. No verão, trançava guirlandas de flores com minhas
amigas, para decorar as capelas campestres. Costumava, também, ir com
minhas amigas cantar sob a árvore das fadas; era uma grande faia, de
notável beleza, que ficava próxima a uma fonte. Já falei dela no começo
deste relato. A árvore servia de ponto de reunião para todo o povoado;
moças e rapazes iam dançar lá, acompanhados de seus pais; lá fazíamos
refeições campestres, alegradas pelos trovadores itinerantes ou pelas
histórias contadas pelas boas mulheres do vilarejo; os castelãos de
Domrémy não deixavam de se misturar a esses folguedos. Catherine de la
Roche, senhora de Domrémy, esposa de Jean de Boulermon, sempre
comparecia, acompanhada de suas filhas. Nas procissões, os galhos da
árvore venerável, repletas de guirlandas, transformavam-se em um pequeno
santuário florido, onde era depositada a imagem do Salvador do mundo.
Não
havia nisso nada de repreensível. Cauchon decidiu então falsificar os
depoimentos que compunham a investigação, que transmitiu à assembléia da
maneira que achou melhor."
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