O medo sob a ótica espírita
Quem de nós já não sentiu ou sente medo (ou medos)? Medo do escuro; dos mortos; de aranhas ou cobras; de lugares fechados…
De perder; de lutar; de chorar; de perder quem se ama…
De empobrecer; de não ser amado…
De dentista; de sentir dor…
Da violência; de ser vítima de crimes…
Do vestibular; das provas escolares; de novas oportunidades de trabalho ou emprego…
O medo envolve as pessoas e, generalizadamente, as impede de realizar
as mínimas obrigações do dia-a-dia. Ou, de outro modo, as perturba de
modo tão profundo, que provoca o desânimo, a prostração, a imobilidade, a
depressão…
O certo é que, de uma forma ou de outra, temos de conviver com alguns medos. E evitá-los, muitas vezes, ou esquecê-los…
A própria cultura ou formação religiosa nos incute o medo. Veja-se,
por exemplo, a crença do pecado original que a Humanidade, segundo tal
entendimento, carrega até hoje. Isto resulta, naturalmente, no medo de
Deus e das reprimendas ou represálias que Ele pode lançar sobre as
pessoas ou civilizações. Por conseqüência, a religião incute o medo do
futuro, a vida além-morte, já que, segundo o entendimento dominante, a
passagem nos levará a uma de três situações: Céu, Inferno e Purgatório.
Como raros são os que se consideram habilitados para o Paraíso, não nos
considerando criaturas tão evoluídas ou merecedoras assim, dentre as
possibilidades possíveis, ou iremos para o Inferno ou – dos males o
menor para o Purgatório. E teremos de suportar mais sofrimentos. Então,
tememos por eles…
Restringindo um pouco mais o alcance do entendimento do medo, podemos
analisar os chamados medos dos espíritas, ou os medos decorrentes do
contato com a filosofia espírita. São eles:
Medo da vida; da morte; do futuro; dos relacionamentos; dos outros; dos Espíritos; da reencarnação; do destino…
Temos medo da vida, ou seja, do que a vida nos oferece em termos de
conjuntura e possibilidades. Na verdade, o medo é de fracassarmos no
resgate de erros pretéritos ou da experimentação, por novas provas que
poderiam, ambas (provas e expiações), nos garantir o ingresso em
melhores condições espirituais futuras.
Medo da morte, porque por mais que possamos ler obras que relatam a
vida no Plano Espiritual e os depoimentos daqueles que lá estão, ainda
somos céticos em aceitar tais informações como verdades, primeiro porque
não temos recordação de nossos retornos, segundo porque não nos
achamos, muitas vezes, nos mesmos patamares daqueles que nos trazem
informações do lado de lá.
O medo do futuro acha-se associado à pós-morte, como visto acima, mas
também enquadra a extensão dos dias de nossa atual experiência
encarnatória, imaginando que haverá, ainda, muitos débitos para serem
ajustados e experiências desconhecidas, as quais não temos idéia se
conseguiremos ou não administrar e sermos exitosos.
Quanto aos relacionamentos, tendo em vista o nível comum dos seres
que habitam este orbe, temos medo de nos abrirmos ao outro, com receio
de sermos enganados, machucados, prejudicados. Disto resulta a ausência
de plenitude,
de envolvimento, de vivência dos sentimentos e das sensações que fazem
parte da própria vida, ou seja, é impossível saber o gosto das coisas e
situações sem experimentá-las.
Então, temos medo dos outros, de que eles nos possam causar mal, em qualquer dos ambientes em que nos inserimos: o colega de trabalho
ou estudo, o vizinho, o conhecido, o amigo, o parente… Todos, ou quase,
nos representam ameaças vivas àquilo que projetamos ou desejamos para
nós. Contudo, de igual forma como o anterior, não é possível antever com
certeza absoluta e plena quem é o outro, como ele se comporta ou por
quê ele age dessa ou daquela maneira. Somente vivenciando é que
saberemos se o outro é companheiro ou inimigo, se quer nos ajudar ou
prejudicar…
Curiosamente, de todos os medos antes listados, comuns aos espíritas,
o mais intrigante é o de Espíritos. Afinal, no cotidiano das
instituições espíritas, com seus diversificados trabalhos, o contato e a
parceria entre nós e eles, isto é, entre encarnados e desencarnados, é a
matéria-prima da atividade espiritista. Como podemos temê-los, se a
teoria kardequiana nos explica, detalhadamente, quem são eles, quais
suas características e de que modo se processam as relações entre vivos e
mortos? Há espíritas, muitos mesmo, por aí, que se arrepiam ante a
perspectiva de travarem qualquer contato com os Espíritos, de
presenciarem qualquer fenômeno mediúnico. Chegam a ter medo de dormir,
de ficar sozinhos, de apagar a luz, na iminência de serem surpreendidos
por alguém que já está do outro lado.
E por que, então, têm eles medo da reencarnação? Porque, pela
interpretação espírita, quando não aproveitamos as situações de nossa
atual existência e continuamos a perseverar no erro, provavelmente
teremos de retornar em condições existenciais mais difíceis, com maiores
provas e sujeitos à reparação de outros débitos. Então o ser olha para
si, para sua vida, para aquilo que considera quase impossível de
realizar ou melhorar, e sente enorme receio de ter que retornar a este
vale de lágrimas.
Por fim, há o medo do destino, como se este existisse, como se, a
cada um de nós, estivesse reservado isso ou aquilo, desse ou daquele
modo. Enxergamos a vida como se ela fosse pré-traçada de modo definitivo
(ou quase) e que não pudéssemos, nós, alterar-lhe o curso
pré-estabelecido.
Assim sendo, caberia a pergunta: Por que o Espiritismo destrói o medo em nós?
A resposta possui várias vertentes ou condicionantes que, somados e
bem compreendidos, podem nos auxiliar a superar os medos que
vivenciamos:
1. Somos Espíritos, logo, somos seres imortais. Não somos aniquilados
e a eventual destruição do planeta, pela ação humana, não nos deixará
sem morada. Daí, Vida e Morte serem etapas da trajetória espiritual a
que todos estamos sujeitos;
2. Reencarnamos porque precisamos. Somente a teoria das vidas
sucessivas pode explicar as desigualdades entre os Espíritos (encarnados
ou desencarnados). É por ela que todos os Espíritos podem experimentar
as diversas contingências da evolução (provas, expiações, missões), de
modo que, em cada uma das encarnações, o ser poderá viver sob diferentes
condições, entre as quais a riqueza, a pobreza, a fartura, a
necessidade, a inteligência privilegiada, a limitação dos sentidos, a
beleza, a feiúra, entre outros. Por conseqüência, o progresso é sempre
ascendente, razão pela qual é acertado dizer que, hoje, somos
infinitamente melhores do que já fomos.
3. Não há destino, sorte ou azar. Deus não escolhe (premia ou pune)
os indivíduos a seu bel-prazer ou mediante critérios personalísticos e
discutíveis. Deus não castiga, nem recompensa. Nós é que recebemos o
efeito daquilo que praticamos. Somos, sempre, o resultado de nós mesmos.
As lutas que travamos são sempre contra nós mesmos, em relação às
nossas imperfeições morais. O resultado, quando exitoso, importa no
avanço na escala evolutiva, que representa a vitória sobre nossas
limitações e o credenciamento a outras (e melhores) oportunidades.
4. O passado espiritual de cada um, por certo, é composto por erros,
limitações, dívidas. Mas a Justiça e a Contabilidade divinas que
administram nossas idas e vindas, sob diferentes roupagens, não são
baseadas em automatismos ou abordagens cartesianas (do tipo pagar na
mesma moeda o mal causado). A dinâmica das Leis Espirituais comporta um
mecanismo perene e perfeito de dar a cada um segundo suas obras, isto é,
de considerar, a cada passo, em cada evento, tanto o que fizemos de
errado quanto o que obramos em acerto, o que deixamos de fazer e a
responsabilidade, pessoal e intransferível em relação a cada
procedimento (ação ou omissão).
5. O presente, a vida física nos direciona à necessidade de agirmos
como pessoas encarnadas, vivenciando as experiências do ser material,
mas com a atenção às questões de natureza espiritual (tal como asseverou
Jesus, viver no mundo sem ser do mundo). Ou seja, viver do melhor modo
possível, aproveitando os capítulos da vida como meios de aprendizado e
busca da felicidade, ainda relativa.
6. O futuro deve ser encarado sob duplo viés: a) a vida no Plano
Espiritual, com características bastante similares à vida física, pois
continuamos a ser o que somos, com nossas simpatias e antipatias, gostos
e pendências, valores e limitações; e, b) o preparo para novas
encarnações, nas quais ocorrerá a nossa depuração, até galgarmos os
estágios da Escala Espiritual.
A arma para vencer todos os medos (assim como as limitações
espirituais) é, sempre, o conhecimento. Conhecimento que deriva da
informação acerca das realidades física e espiritual, o primeiro
decorrente das pesquisas e experiências científicas e, o segundo, do
intercâmbio mediúnico e do desenvolvimento de teses espíritas. O
conhecimento, porém, não é só mera teoria. De nada valem as decorebas
das questões e máximas espíritas. Isto é somente informação. Esta, para
transmudar-se em conhecimento, há que estar aliada à prática, à conduta,
que nos qualificará como seres em contínua evolução, superando medos e
limitaçõ
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